Introdução
O investimento directo e externo (IDE) tem assumido um papel fundamental no processo de desenvolvimento socioeconómico dos países emergentes, o que, aliado aos fenómenos da globalização e da influência das instituições neoliberais, tem levado os países menos desenvolvidos (PMD) a concentrarem os esforços na atracção do IDE para se desenvolverem, ignorando, muitas vezes, aspectos estruturais inerentes ao processo de desenvolvimento.
Enquanto os PMD buscam desesperados pelo IDE com vista a reduzir ou eliminar o problema do desemprego, incrementar o valor acrescentado das suas exportações, introduzir novos produtos de exportação, obter melhorias tecnológicas, aumentar o rendimento per capita, etc., as companhias transnacionais seleccionam criteriosamente onde investir, com vista a garantir a acumulação privada de capital (Chisăgiu, 2015; Rivero, 2001). Uma vez que
Moçambique não é uma excepção à regra, as políticas do último Programa Quinquenal do Governo (PQG 2015-2019) revelaram um foco especial na atracção do IDE como um dos principais factores de desenvolvimento socioeconómico, através do impulso ao crescimento económico e do respectivo impacto na geração de emprego e redução da pobreza (Governo de Moçambique, 2015).
Créditos: Josénia Rafael
Determinantes dos Investimentos directos e externos
Basicamente, os determinantes dos investimentos directos externos (IDE) podem ser relativos às firmas e a características dos países de origem – push factors – ou a factores locacionais – pull factors. A maior parte da literatura teórica relativa a empresas multinacionais nos últimos quarenta anos, justamente por focar sua atenção nas empresas, enfatizou os factores relacionados a vantagens das firmas, dando pouca importância aos factores macroeconómicos. O objectivo desse trabalho é estimar, com base em dados em painel para 33 países para o período 1975-2000, os principais determinantes dos IDEs em direcção aos países em desenvolvimento. Factores como o tamanho e o ritmo de crescimento do produto, a qualificação da mão de obra, a receptividade em relação ao capital externo, o risco do país e o desempenho das bolsas de valores estão entre os principais determinantes de IDE. Além disso, por meio da aplicação de uma teste de causalidade no contexto de dados em painel, foi possível mostrar que o investimento directo externo não tem efeito positivo sobre o PIB. Ao contrário, esse procedimento lidade mostrou que o PIB do país é que tem efeito sobre a entrada de IDE.
Determinantes dos Investimentos directos e externos Moçambique
É imperioso reflectir sobre o fenómeno e o conceito de desenvolvimento de modo a fazer uma discussão mais construtiva sobre este tema.
Primeiro, há uma ênfase cada vez maior no investimento directo estrangeiro como o único ou principal factor que condiciona o fenómeno de desenvolvimento. No entanto, o fenómeno de desenvolvimento nem sempre esteve intrinsecamente ligado ao IDE. Nos países hoje desenvolvidos, o fenómeno foi alcançado mediante políticas públicas, ou seja, intervencionismo de Estado, que, em muitos casos, consistiu na inobservância de patentes, no controlo das relações económicas externas por vias de comércio externo, investimento directo estrangeiro, divisas etc., incluindo o controlo das actividades económicas internas, aplicação de subsídios à economia e outras formas de intervencionismo do Estado, hoje «proibidas» pelas instituições neoliberais (Chang, 2008, 2007, 2006, 2003b). De acordo com Pieterse (2010), para os neoliberais, desenvolvimento através da intervenção de Estado é considerado «anátema», pois provoca distorções de mercado. Daí que eles advoguem que o desenvolvimento só pode ser alcançado através da desregulamentação, liberalização e privatização, que implicam o máximo distanciamento do Estado em relação ao mercado. No entanto, Chang (2008) revela que, no seu processo de desenvolvimento, praticamente todos os países desenvolvidos seguiram caminhos contrários aos que o neoliberalismo hoje impõe aos PMD. As instituições neoliberais concedem créditos aos países em desenvolvimento mediante condicionalismos que implicam a adopção de políticas neoliberais, as quais, segundo Chang (2008, 2007), são contrárias ao objectivo de desenvolvimento. Por esta razão, Chang (2007, 2008) chamou às instituições neoliberais de «maus samaritanos», visto que ao contrário do «bom samaritano» da parábola descrita na Bíblia, que, movido de compaixão, prestou ajuda incondicional a quem mais precisava, estas instituições prestam uma ajuda perniciosa, isto é, mal-intencionada no que concerne ao desenvolvimento destes países.
Segundo, o conceito de desenvolvimento é bastante amplo e de múltiplas interpretações, porém muitas vezes é usado sem a especificação do sentido que se lhe atribui. Este conceito tem sido dinâmico e versátil, variando de acordo ao contexto histórico, circunstância política, grupos de interesse, método de análise do fenómeno, entre outros factores (Escobar, 1997, 2012; Pieterse, 2010). Dentre as várias perspectivas que emergem, cada uma se desenvolveu num contexto histórico particular, de forma que as teorias de desenvolvimento podem ser entendidas como respostas a problemas e argumentos de cada período específico (Pieterse, 2010). De acordo com Pieterse (2010), o desenvolvimento inclui um elemento de reflexividade pois comporta a aplicação de ciência e tecnologia para a organização colectiva ao mesmo tempo que gerencia mudanças advindas da aplicação tecnológica. Portanto, o conceito de desenvolvimento varia e pode ir de obras infra-estruturais (estradas, barragens, linhas férreas, canais e portos) à política industrial, passando pelo Estado de bem-estar, a nova política económica e a gestão da procura keynesiana (Pieterse, 2010). Por outro lado, e além dos vários sentidos que indica, Pieterse também aponta que as percepções sobre o desenvolvimento variam para cada stakeholder, por exemplo, o Governo, as instituições externas de desenvolvimento (praticantes) e as populações urbanas e rurais, que têm perspectivas diferentes consoante os seus interesses e imaginações.
Em suma, não é fácil generalizar o conceito de desenvolvimento quando são levantadas questões como «desenvolvimento para quem?». Nem é fácil colher consensos sobre o seu significado, tanto que outros autores o tomam como uma mera palavra designada buzzword,que o filósofo W. B. Gallie (1956) determinou como «conceito essencialmente contestado», significando, «termos que combinam um acordo geral sobre uma noção abstracta que eles representam, com desacordos intermináveis acerca do que eles devem significar na prática» (apud Cornwall, 2007). Isto significa que o termo «desenvolvimento» é usado para designar algo bom e incontestável sem, na essência, aludir a alguma coisa concreta, daí que a análise do discurso se torna num importante método em estudos de desenvolvimento. Por sua vez, Escobar (1997) apresenta uma definição que caracterizou o período pós-Segunda Guerra
Mundial segundo a qual desenvolvimento é o processo de traçar caminhos para a réplica na maior parte da Ásia, África e América Latina das condições que deviam caracterizar as nações economicamente mais avançadas do mundo, isto é, industrialização, alto grau de urbanização e educação, mecanização agrícola, e uma vasta adopção dos valores e princípios, incluindo formas particulares de ordem, racionalidade e orientação individual. Embora esta noção date de muito tempo atrás, e tenha orientado os programas de desenvolvimento do ocidente para os países «subdesenvolvidos», numa perspectiva intervencionista, ela tende a captar o que se percebe como desenvolvimento nos países pobres até ao presente.
A evolução das lógicas do pensamento sobre desenvolvimento influenciou as relações económicas internacionais, moldou políticas económicas e afectou o respectivo processo de desenvolvimento com impacto adverso, visível até ao presente. De uma lógica de autonomia do processo de desenvolvimento sob direcção dos respectivos governos, que caracterizou os países desenvolvidos (PD), seguida de uma lógica intervencionista dos PD para os PMD numa perspectiva de prática de desenvolvimento através das organizações não governamentais (ONG) e na ajuda ao desenvolvimento, as relações evoluíram para um comércio internacional em condições altamente desfavoráveis para os PMD dado que o modelo de «política fiscal para o desenvolvimento económico» (Brauner & Stewart, 2013), dominado pelos ideais neoliberais passou a ser dominante entre 1980 e 2003. Este modelo resultou da globalização do mercado de capitais, que impôs a redução dos impostos do capital no intuito de aumentar a poupança;
As baixas taxas de impostos de rendimentos corporativos e pessoais; a eliminação de tarifas e introdução de impostos de valor acrescentado (IVA) gerais sobre o consumo doméstico e outros, enviesando o sistema tributário vigente depois de 1950, e impondo limitações ao poder do Estado nos PMD para o intervencionismo e proteccionismo que caracterizou as décadas anteriores e resultou em desenvolvimento dos actuais PD. Brauner e Stewart (2013) denotam que apenas em 2011 na Assembleia Geral das Nações Unidas é que se voltou a debater as reformas fiscais num contexto de parceria global para o desenvolvimento, no qual se reconheceu a necessidade de dar um «espaço fiscal» aos PMD de forma a que tivessem maior capacidade de mobilizar recursos para sua utilização em prol do desenvolvimento. No entanto, estas mudanças apenas aliviaram o sufoco dos Estados, permitindo-lhes mobilizar recursos para o seu funcionamento, mas não garantem a sua capacidade interventiva. Aliás, devido aos condicionalismos anexos aos empréstimos, quanto mais os países os mobilizam, mais abdicam da sua autonomia no processo de desenvolvimento.
É neste contexto que, simultaneamente ao recrudescimento do comércio internacional na perspectiva da parceria global para o desenvolvimento, também crescia a importância do investimento directo estrangeiro como uma alternativa para o desenvolvimento dos PMD.
Segundo Rivero (2001: 46), o comércio internacional até 2001 era virtualmente um subproduto dos investimentos, das alianças e dos acordos entre corporações transnacionais. O autor explica a proliferação das companhias transnacionais no último quarto do século xx , passando de 7000 para 38 000 empresas com cerca de 250 000 subsidiárias que estabeleceram padrões de consumo e de estilo de vida pelo mundo inteiro. Na essência ele indica que essa nova classe aristocrática global decide sobre a produção mundial bem como sobre o destino de muitas economias nacionais e culturas, por cima dos órgãos dos governos em geral e por cima dos parlamentos, através dos mercados financeiros internacionais e nas reuniões de board das companhias transnacionais.
Rivero (2001: 47), explica ainda outra transformação importante, i.e., que as corporações antes vistas como manifestações de imperialismo são agora consideradas a incorporação da prosperidade e modernidade, percebidas como desenvolvimento. Neste caso, todos os países tentam atrair o investimento e a tecnologia das empresas transnacionais com o fim último de aumentar as vantagens comparativas das suas economias nacionais e ganhar mais mercado.
Mais do que uma alternativa, o IDE tornou-se como a «única» opção para tornar o desenvolvimento socioeconómico uma realidade factual em PMD, embora não o seja de facto, visto que o IDE que estes conseguem atrair pouco contribui para o desenvolvimento. Apesar da abertura destes países para a contracção de créditos «condicionados» através das instituições neoliberais como o FMI, o Banco Mundial, e a Organização Mundial do Comércio (OMC), e da sua dependência da ajuda externa proveniente dos parceiros de desenvolvimento através das relações bilaterais com os países desenvolvidos, a incapacidade técnica e os problemas básicos da economia prevalecem. Por exemplo, Rivero (2001: 47) aponta que os países subdesenvolvidos são caracterizados pela falta de capitalismo nacional, altas taxas de desemprego, elevado crescimento demográfico e dependência de exportações de matérias primas a preços não lucrativos, daí que não têm escolha senão buscar o investimento transnacional produtivo. Só assim poderiam reduzir o desemprego, aumentar o nível tecnológico de produção interna e desenvolver novas exportações com vantagens comparativas (ibid.). Porém, também se identifica um constrangimento de natureza estrutural nestas economias, que não permite que acedam com facilidade a tais investimentos produtivos. Isto é, a incapacidade técnica, a baixa produtividade dos trabalhadores, a fraca capacidade tecnológica das companhias nacionais, a falta de boas infra-estruturas, o tamanho do mercado doméstico, 2 a segurança legal, a
instabilidade política muitas vezes presente nos países pobres e a distância das instituições «financeiras» condicionam as empresas transnacionais, que deixam de canalizar o investimento produtivo para estas economias e preferem investir nos países desenvolvidos (Rivero, 2001: 48; Chisăgiu, 2015; Cezar & Escobar, 2015). Por estas impossibilidades estruturais, algumas economias pobres, ao exemplo de Moçambique, insistem na atracção do investimento extractivo, que tende a ser estéril, para alavancar o processo de desenvolvimento, sobretudo com as isenções fiscais e outros benefícios de que tais investimentos gozam nestas economias e os danos ambientais e socioeconómicos que causam.
Dinâmicas do IDE em Moçambique
Nas últimas duas décadas a média de crescimento económico de Moçambique manteve-se num nível aproximado de cerca de 7 % ao ano, tendo apenas arrefecido nos últimos anos. Embora o sector da Indústria extractiva não seja o que mais contribui para o PIB em Moçambique, é o sector com maior variação percentual no PIB, sobretudo ao longo da última década, em que cresceu em projecção geométrica (gráfico 1), e, simultaneamente é o que mais IDE atraiu ao longo do mesmo período (vide gráfico 2). Nos últimos dez anos, a indústria extractiva absorveu continuamente mais de 50 % do total do influxo de IDE em Moçambique, tendo atingido o máximo de 89 % do IDE em 2013, o que revela que há uma elevada concentração do IDE no sector extractivo. Segundo os dados do Banco de Moçambique, o sector extractivo compreende o carvão, o petróleo, o gás e minerais, recursos naturais que, ao longo do período 2002 a 2019, absorveram 67 % do total do IDE que entrou em Moçambique (gráfico 4). Apesar da advertência para a diversificação do IDE feita pela UNCTAD (2012) a Moçambique no início da década 2010, ao longo desta década o IDE do País caracterizou-se por um crescimento explosivo e concentrado na indústria extractiva até 2013, tendo depois desacelerado e continuado concentrado neste sector. Em termos relativos, o IDE da indústria extractiva manteve-se acima de 50 %, com pequenas flutuações, porém, de forma geral, com uma tendência relativamente estável (gráficos 2 e 3). Esta tendência em termos relativos demonstra que a contracção do influxo de IDE abrange a todos os sectores, isto é, não resulta de um esforço de diversificação ou contracção do sector extractivo devido à sua predominância, e sim de outros factores.
“Pois, de acordo com os dados do INE, o sector que mais contribui para o PIB de Moçambique continua a ser o sector da agricultura.
De acordo ao Banco de Moçambique (2014, 2015, 2016), esta queda deveu-se inicialmente à conjuntura económica global, que se caracterizou por uma lenta recuperação da economia global e relativa baixa confiança nos mercados. Nos anos subsequentes, as causas foram a desaceleração do crescimento das economias parceiras de cooperação Sul-Sul, associadas à correspondente redução de fluxos financeiros para as economias dependentes da África Subsariana, os baixos preços das comanditeis, a instabilidade política no Centro e Norte do País, bem como os choques climatéricos, como as estiagens no Sul e as fortes chuvas no Norte do País. No caso particular de 2015, o relatório do BM salienta que a queda do IDE se deveu particularmente aos grandes projectos, facto que poderia ter estado associado ao ciclo de vida de alguns projectos e à queda dos preços internacionais das mercadorias.”
Os outros sectores de actividade mantiveram níveis de IDE baixos e pequenas variações positivas, exceptuando os sectores de transporte, armazenagem e comunicação, de actividades imobiliárias, alugueres e serviços a empresas e o sector de indústrias transformadoras, que registaram algumas oscilações positivas assinaláveis. Os demais sectores, embora de capital importância económica e social para Moçambique dadas as suas capacidades de empregabilidade, a sua relação e capacidade de ligações com outros sectores da economia, ou o seu potencial para o desenvolvimento de competências transferíveis, beneficiaram de algum volume de IDE ao longo do período de 2002 a 2019, embora este influxo de investimento jamais tenha alcançado a fasquia dos 200 milhões de dólares norte-americanos em um ano. São exemplos os sectores da agricultura, produção animal, caça e silvicultura, da produção e distribuição de electricidade, gás e água, do comércio por grosso e a retalho e reparações diversas, incluindo o de construção e das actividades financeiras. Por sua vez, o sector de transporte armazenagem e comunicação foi o que mais se notabilizou depois da indústria extractiva, com montantes a excederem os 200 milhões de dólares norte-americanos desde 2013, tendo alcançado o pico de 899,3 milhões em 2015 e decrescido até um novo mínimo em 2018, com 74,6 milhões de dólares norte-americanos, de onde retomou o crescimento, registando 365,8 milhões em 2019, o correspondente ao maior montante a seguir ao da indústria extractiva naquele ano. As indústrias transformadoras, que comportam as alimentares, de bebidas, tabaco, têxteis e outras, registaram, em 2002, um influxo de 212,3 milhões de dólares norte-americanos, passando de seguida a declinar, porém com várias flutuações ao longo do período, tendo alcançado os máximos em 2011 e 2012 com 317,1 e 391,6 milhões de dólares norte-americanos e um mínimo negativo em 2013. Finalmente, o sector das actividades imobiliárias, alugueres e
serviços a empresas começou a notabilizar-se em 2011, com os primeiros montantes de IDE superiores a 10 milhões de dólares norte-americanos, tendo rapidamente alcançado o pico em 2014, com 457,5 milhões, e daí declinado de forma não regular. Vale, porém, salientar que, tanto o sector de transportes, armazenagem e comunicação, como o sector de actividades imobiliárias, alugueres e serviços a empresas têm fortes ligações com a indústria extractiva e seguiram tendências similares durante o período, o que sugere uma resposta às demandas daquela indústria.
Note-se também que o IDE da indústria extractiva superou o montante do IDE total de todos outros sectores da economia ao longo de todo o período 2009 a 2019. Enquanto o IDE dos outros sectores tende a crescer gradualmente e com algumas oscilações, o IDE da indústria extractiva experimentou um crescimento exponencial entre 2009 a 2013, e, neste último ano, foi quatro vezes maior do que o resto do IDE na economia inteira. A partir de 2013, o IDE da indústria extractiva experimenta uma queda brusca dos fluxos anuais, com uma oscilação positiva em 2018, porém continuando a tendência decrescente em 2019. Por sua vez, o IDE dos outros sectores alcançou o seu máximo em 2015 com um total de 1851 milhões de dólares norte-americanos, passando depois a decrescer de forma contínua até 2018, ano em que mostra o início de uma recuperação (gráfico 5). Porém, em suma, o IDE total em Moçambique tem diminuído desde 2014, tendo a queda sido iniciada pelo investimento em indústria extractiva e alcançado os outros sectores em 2015.
Tensões e conflitos resultantes dos projectos de IDE no Sector Extractivo
Além de o IDE que influi a Moçambique ser eminentemente extractivo, na prossecução dos seus objectivos têm-se gerado tensões e conflitos directa ou indirectamente relacionados com a sua execução e com as condições estruturais da economia. Entre as tensões e os conflitos que emergem em resultado da acomodação dos projectos de IDE podem-se identificar, entre outros, conflitos entre as populações directamente afectadas pelos projectos e os respectivos projectos ou empresas; tensões entre as populações e as autoridades governamentais locais; clivagens entre as empresas e as autoridades governamentais locais e falhas de coordenação entre os governos locais e os níveis hierárquicos superiores, como o provincial e o central, que afectam negativamente o desenvolvimento pretendido. Esta secção não pretende fazer uma discussão aprofundada destas tensões e conflitos que emergem das dinâmicas de interacção entre os diversos actores resultantes do IDE no sector extractivo, e sim reconhecer a sua existência de modo a pensar melhor sobre os desafios de desenvolvimento que estes projectos colocam.
Tensões e conflitos entre as empresas de IDE e as populações afectadas
Os casos de tensões e focos de conflito entre as empresas de capital estrangeiro no sector extractivo e as populações nas quais tais empresas exercem a sua actividade são os mais frequentes em Moçambique. As tensões e focos de conflito verificam-se principalmente nas zonas rurais onde existem recursos naturais como carvão, gás, minerais, entre outros. Os conflitos concentram-se principalmente em torno da posse e utilização da terra. Por um lado, as populações servem-se da terra de forma dinâmica, principalmente para a produção agrícola, criação de animais, bem como actividades mineiras de pequena escala onde aplicável. Estas actividades são usadas como fontes principais ou alternativas de sustento familiar nas zonas rurais e desempenham um papel fundamental na vida destas comunidades e da sociedade em geral, como o garante da reprodução social do trabalho e do capital. Por outro lado, as empresas mantêm o foco na extracção dos recursos naturais e acumulação privada do capital, requerendo vastas extensões de terra exclusivamente para a actividade extractiva e absorvendo pouca mão-de-obra local. Estes objectivos geralmente colidem uns com os outros, levando a disputas entre as famílias e as firmas de capital estrangeiro envolvidas no sector extractivo.
Porém, as firmas levam vantagem porquanto gozam da protecção da legislação, a qual favorece a actividade mineira (Lei de Minas – Lei n.º 20/2014 de 18 de Agosto; e Lei de Petróleos, Lei n.º 21/2014 de 18 de Agosto) 5 em detrimento da habitação e de actividades agropecuárias. Consequentemente, o direito consuetudinário das famílias à terra em sua posse é ferido em privilégio do grande capital estrangeiro sempre que se verifica a ocorrência de minérios e o interesse deste em explorá-los, muitas vezes excluindo tais famílias do processo de exploração.
Entre os vários exemplos de tensões e conflitos envolvendo as empresas do sector extractivo e as populações afectadas mencionam-se dois para fins ilustrativos. Importa salientar que a sua menção não pretende de forma alguma aferi-los como casos mais importantes do que os demais, pois os casos são vários e diversos em sua natureza. Antes, deve-se ao facto de se tratar de casos relativamente menos conhecidos, mas que captam de forma representativa as tensões e os conflitos que surgem à volta destes investimentos. Deste modo, o primeiro caso a salientar é o caso relacionado com a empresa de capitais chineses designada African Great Wall Mining Development Company que opera na província da Zambézia com privilégios especiais na prospecção de areias pesadas desde 2014. A empresa detém três títulos de terra, denominados Direitos de Uso e Aproveitamento de Terras (DUAT), correspondendo a uma área total de 16 469,43 hectares que abrangem extensas áreas habitadas em três distritos, nomeadamente: Nicoadala (1351,95 hectares), Inhassunge (12 002,28 hectares) e Chinde (3115,20 hectares).
Devido ao tamanho das parcelas em questão, que são relativamente grandes, o seu processo de atribuição contornou todos os procedimentos de consulta necessários, incluindo a consulta comunitária, e o DUAT foi aprovado pelo Conselho de Ministros, isto é, ao nível do Governo central. Por sua vez, a população abrangida desconsidera a legalidade da concessão, teme e opõe-se ao reassentamento, rejeita o respectivo projecto extractivo e gerou-se um intenso clima de tensão entre aquelas populações, a empresa em causa e os governos locais, que se mostram impossibilitados de dirimir os conflitos (vide Ossumane, 2018a). Face a manifestações populares ante as instalações da empresa, os representantes geralmente limitam-se a mostrar os documentos que lhe conferem legalidade de ocupação, remetendo a população ao Governo, ou, alternativamente, chamando a polícia.
Tensões entre as populações e as Autoridades Governamentais Locais
As tenções surgem quando as comunidades se articulam ou tentam articular-se com as autoridades governamentais locais para a defesa dos seus presumíveis «direitos», lesados pelos projectos de IDE, e não encontram nenhuma resposta condicente com as suas expectativas.
Por um lado, as decisões são tomadas ao nível central e apenas executadas ao nível distrital sob coordenação do governo provincial, por outro lado, o desconhecimento da legislação em vigor por parte das comunidades e o facto de a ocupação da terra há várias gerações as tornar moralmente legítimas proprietárias distancia cada vez mais as duas partes. Por conseguinte, a comunidade tende a perceber o Governo como vilão. Esta percepção é exacerbada quando, nas tentativas de manifestações pacíficas perante as empresas com vista à negociação dos seus interesses, as populações são dispersas pela violência policial que intervém a convite da empresa, denotando uma aliança entre o capital estrangeiro e o Governo em detrimento da comunidade. Na essência, a tendência geral de percepção é que o governo distrital age sobre a população na implementação de decisões hierarquicamente superiores (i.e., dos governos centrais ou provinciais; extragovernamentais, i.e. partidárias, ou de individualidades em posições superiores de autoridade), e em defesa dos interesses privados das empresas de capital estrangeiro, porém, raramente em favor das comunidades.
Retomando os casos evidenciados na subsecção anterior para ilustração, nota-se que:
No primeiro caso, em relação à empresa African Great Wall Mining Development Corporatation na província da Zambézia, com a tomada de conhecimento da atribuição das suas terras para efeitos de mineração, a população tentou por várias vezes interagir com as autoridades governamentais distritais no sentido de colher satisfações, manifestar receios e descontentamento e exigir garantias da sua permanência e bem assim a manutenção integral da posse das terras. Em face destas exigências combinadas com manifestações e consequente atracção da imprensa, as autoridades governamentais concentraram a sua abordagem de resposta à imprensa, em termos de benefícios que a empresa traz para o desenvolvimento local e nacional traduzidos em: contribuições fiscais da empresa, que chegaram a cerca de 51 milhões de meticais em apenas um semestre; número de empregos criados que beneficiarão as populações locais: cerca de 250 trabalhadores, entre nacionais e estrangeiros, no distrito de Inhassunge até 2018 e espera-se que venham a ser 300, dos quais 80 % recrutados localmente; e outros benefícios sociais advindos da responsabilidade social corporativa, tais como a construção de escolas e postos de saúde; benefícios com o reassentamento, apontando-se para a construção em progresso de cerca de 100 casas, das quais 51 já se encontravam prontas (Ossumane, 2018a; Jornal Txopela, 2017a). Embora confrontadas com a rejeição dos projectos por parte das comunidades afectadas, as autoridades tenderam a instar e forçar a população a ceder por via de reuniões, ameaças, intervenção policial e instauração de pânico, tendo-se já registado a morte de um cidadão por baleamento e a detenção e o ferimento de residentes pela acção policial armada (Ossumane, 2018c, 2018b; Jornal Txopela, 2017b). Portanto, mantendo um discurso diante da imprensa local de respeito pelos direitos da população e priorização da satisfação das suas necessidades, o Governo tende a contradizer-se em acções práticas perante a comunidade, demonstrando-se estar ao serviço do capital estrangeiro e rompendo os vínculos de confiança entre cidadão e Estado.
As falhas de coordenação entre os governos locais e central
Por sua vez, as falhas de coordenação entre os diversos níveis hierárquicos de poder consistem na fraca fluidez de informação entre os diferentes níveis de governação, bem como na débil colaboração e na ausência de mecanismos directos de partilha das receitas dos projectos de IDE entre os diversos níveis territoriais de governação, o que tende a instalar tensões. A respeito da fluidez de informação, por um lado, apesar dos parcos meios de que os distritos dispõem para a fiscalização das águas territoriais ao longo da vasta costa de Moçambique, quando são notificadas pela população sobre actividades suspeitas, as autoridades distritais são capazes de mobilizar meios, fazendo um esforço adicional para averiguação. No entanto, este esforço poderia ser evitado se as autoridades distritais fossem informadas antecipadamente pelas entidades centrais responsáveis pelo licenciamento, ou pelas representações ao nível provincial. Tal nem sempre acontece, facto que gera desgaste e enfraquece a vigilância das autoridades distritais, bem como a percepção sobre as suas competências, e o exercício das suas funções. Por exemplo, além da chegada repentina da equipa do projecto Haiyu Mozambique Mining Company ao povoado de Murrua, distrito de Angoche, a qual surpreendeu também as autoridades distritais (vide em Sambo, 2018a e, 2018b), uma das entidades do governo distrital de Angoche explicou, agastada, que descobriram nas suas águas territoriais uma plataforma de prospecção e pesquisa de petróleo e gás através de informações fornecidas por pescadores. Por conseguinte, o governo do distrito mobilizou meios, dirigiu-se ao alto-mar e interpelou os responsáveis na plataforma para descobrir que esta estava legalmente credenciada pelas autoridades centrais em Maputo, facto que foi confirmado através das autoridades responsáveis em Maputo. Estes são apenas alguns exemplos que revelam a fraca circulação interna de informação entre os diferentes níveis das autoridades governamentais com efeito na prestação dos governos distritais.
Por outro lado, os casos evidenciados acima e a persistência de conflitos entre a população e os projectos de investimento reflectem, em si, a persistência de uma coordenação débil entre o centro de decisões e os pontos de implementação e fiscalização dos projectos de IDE no que concerne às decisões no processo de licenciamento. Ademais, apesar de estes projectos de investimento, em particular os de natureza extractiva, se localizarem nos distritos, tais distritos geralmente não são as entidades que colectam os impostos, e raras vezes beneficiam directamente das respectivas receitas, salvo os 2,5 % que devem reverter para as comunidades onde se localizam os projectos. No entanto, a gestão desta percentagem das receitas fiscais continua controversa nalguns locais, como, por exemplo, Topuito, onde se encontra a Kenmare Resources plc., cuja gestão pelo governo distrital é recusada pela comunidade. O mesmo se verifica ao nível dos governos provinciais, que embora captem as receitas dos respectivos projectos, quando aplicável, não fazem a respectiva gestão, pois têm de as canalizar para o Governo central. Portanto, as autoridades distritais e províncias receptoras do IDE tendem a ser alheias aos processos de decisão e partilha directa das receitas dos respectivos projectos, facto que limita a capacidade de intervenção destas autoridades na realização do pretendido «processo de desenvolvimento» com base nos projectos de IDE.
Conclusão
Terminado trabalho pude concluir que considerando as condições estruturais da economia de Moçambique, que pouco diferem da maioria dos PMD, a tendência de adopção de políticas neoliberais e a contínua atracção de IDE de natureza extractiva e concentrado no sector da indústria extractiva, pode-se depreender que o argumento segundo o qual o aumento do IDE na economia é condição necessária para o desenvolvimento socioeconómico é falacioso para Moçambique. Embora o IDE seja importante para o desenvolvimento socioeconómico dos PMD, é imperioso analisar o tipo de IDE que se atrai, a estrutura económica e respectivas condições socioeconómicas do país receptor, bem como as dinâmicas que se criam em torno dos respectivos projectos de IDE.
Bibliografia
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- Banco de Moçambique (2016). Relatório Anual 2016. Disponível em: http://www.bancomoc.mz/fm_pgTab1.aspx?id=106.
- Banco de Moçambique (2015). Relatório Anual 2015. Disponível em: http://www.bancomoc.mz/fm_pgTab1.aspx?id=106.
- Banco de Moçambique (2014). Relatório Anual 2014. Disponível em: http://www.bancomoc.mz/fm_pgTab1.aspx?id=106.
Créditos: Josénia Rafael