As Políticas de Reajustamento Estrutural em África
No âmbito da ciência económica, a expressão reajustamento/ajustamento Estrutural designa um processo de saneamento da situação económica de um país através de um conjunto de políticas que visam a correção de desequilíbrios económicos graves como sejam a redução do défice externo, do défice público, ou da inflação.
No caso de moçambique por exemplo, fez-se sentir várias políticas que visavam reajustar a estrutura do país. Em seguida, irá abordar-se forma clara e específica o desenrolo destas políticas em áfrica, com destaque a moçambique.
As Políticas de Reajustamento Estrutural em África
O Desenvolvimento é um dos objectivos dos povos e a estabilização e o ajustamento estrutural podem ser determinantes para o atingir. No entanto, a forma como têm vindo a ser concebidos pelo FMI e pelo Banco Mundial, direcionada sobretudo para a esfera económica e marcada pela "nova ortodoxia" dominante, acabou por limitar o papel dos Programas de Ajustamento Estrutural (PAE) enquanto propulsores do desenvolvimento, tornando-os num conjunto de premissas rígidas, com resultados aquém do previsto. Nos anos 80, a crise no continente africano deixava transparecer a necessidade urgente de reformas. As finanças públicas apresentavam-se deficitárias e a corrupção, a "má governação" e o "neo-patrimonialismo" caracterizavam a actuação do Estado. As propostas do FMI e do Banco Mundial - liberalismo económico e estímulo dos mercados em detrimento da intervenção pública, traduzem-se em medidas como o estabelecimento de taxas de utilização dos serviços públicos, remoção de subsídios, despedimento de funcionários públicos, cortes salariais e privatizações. Os resultados destas reformas não se mostraram decisivos, designadamente no que se refere à melhoria do défice orçamental, e os efeitos negativos das restrições orçamentais sobre o bem-estar originaram um clima de instabilidade que acabou por pôr em causa a viabilidade do processo de ajustamento. A aversão ao papel do Estado e a forma radical como se impuseram as reformas, frequentemente sem considerar as características culturais, políticas, sociais e económicas de cada país, acabaram por condicionar o sucesso dos PAE. Apesar de haver por parte das instituições internacionais um reconhecimento de que é necessária a reforma destes Programas no sentido de incluir objectivos "não económicos", há quem defenda que só uma revisão e reordenação de prioridades os pode aproximar do Desenvolvimento.
As crises das economias em desenvolvimento e particularmente a crise da dívida dos fins de década dos anos setenta, dificultaram o acesso aos recursos externos por parte dos países devedores. Os défices externos afectaram as economias mais dependentes de importações e dos fluxos de capital para a reprodução das suas economias (Fitzgerald e Rob Vos, 1989 e 1989). A importância dos factores externos, a dificuldade da maioria das economias de se reproduzirem sem esses recursos e a ausência de alternativas de financiamento internacional, tornou a entrada no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial uma (ou a única) possibilidade para a negociação da dívida e o acesso a novas fontes de financiamento.
As Políticas de Reajustamento Estrutural em Moçambique
A abertura da economia e para uma transição política (1984-1992)
As pressões políticas no campo interno e externo e a necessidade de receber ajuda alimentar para superar a crise económica e as consequências da guerra e das calamidades naturais levaram a FRELIMO a redefinir a sua política externa: i) em 1982 o governo ‘começou a cortejar os Estados Unidos e a fazer a sua "viragem para o Ocidente" (HANLON, 1997: 15); ii) em 1984, assinou o ‘Acordo de Nkomati’ com a África do Sul, uma tentativa de cortar os apoios da África do Sul à RENAMO. Com este acordo, criaram-se também alguns espaços para negociações sobre a mão-de-obra moçambicana, e sobre o fornecimento da energia eléctrica de Cabora-Bassa para a África do Sul.
Depois de uma fase de economia centralmente planificada, em 1985 dão-se os primeiros passos para a sua liberalização, o que leva a uma transição. Visando reverter as tendências negativas do crescimento económico através de um reajustamento estrutural, em 1987 é introduzido o Programa de Reabilitação Económica (PRE) e em 1990 o Programa de Reabilitação Económica e Social (PRES). O programa de ajustamento estrutural, é um pacote que envolve o livre comércio, a desregulamentação e a privatização. O governo liberalizou os preços, praticamente terminou a sua gestão do mercado, cortou o seu orçamento nos sectores sociais, e introduziu mudanças nas políticas da saúde e da educação, onde foi estabelecido um sistema que atribui acesso com base no rendimento. As reformas económicas introduzidas em Moçambique, nas duas últimas décadas levaram a uma revitalização da economia, o que não pode ser mecanicamente traduzido por uma redução da pobreza. ‘A pobreza, entendida como ausência das condições para uma vida longa, instrução e um padrão de vida aceitável, afecta a maioria esmagadora da população de Moçambique’ (PNUD, 1996: 81). Organizações como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional classificaram este país na posição dos mais pobres do mundo.
Reconstruindo Uma Nova Sociedade (1992-1999)
Em 1990 a FRELIMO introduziu uma nova constituição que permitia eleições multipartidárias, a liberdade de imprensa e o direito à greve. Desde 1987 que se faziam esforços para estabelecer conversações entre a FRELIMO e a RENAMO. Em Julho de 1990 o governo e a RENAMO deram início às conversações em Roma e em Outubro de 1992, também em Roma, Joaquim Chissano e Afonso Dlakama assinaram o Acordo de Paz. O processo de cessar-fogo, a desmobilização e o repatriamento decorreram sem incidentes de maior, e em Outubro de 1994, realizavam-se as primeiras eleições multipartidárias (presidenciais) em Moçambique. Em 1998 realizaram-se as primeiras eleições para os órgãos locais, estando também em preparação as segundas eleições presidenciais, calendarizadas para 1999.
O processo de transição política já embrionário na década de 80 tem a sua concretização nos anos 90. As crises económicas sucessivas e os processos de transição que marcaram Moçambique entre 1974/75 e 1999 têm custos sociais, que se reflectem na qualidade de vida das populações. A necessidade de contrair os níveis de consumo para os adaptar à realidade económica do país e a incapacidade e impossibilidade do Estado para prover o bem-estar social impede que se crie um sistema para a minimização dos efeitos sociais negativos das reformas económicas, elevando os níveis de pobreza e o crescimento da exclusão, da reivindicação e da violência.
A Construção do Socialismo (1977-1983/4)
Com a criação do Partido Marxista-Leninista, em 1977, criaram-se também os ‘movimentos democráticos de massas’ para enquadrar os trabalhadores, as mulheres, a juventude, organizações criadas ‘de cima para baixo’ sob a tutela e orientação do Partido. Durante este período, Moçambique estabelece relações com os países do Leste europeu, de quem recebe inicialmente uma ajuda no campo militar. Recorde-se que os primeiros indícios de conflitos armados haviam surgido em 1976.
A adesão de Moçambique ao processo de sanções contra a Rodésia e o encerramento das fronteiras entre os dois países, abriu o caminho para uma história de hostilidades que havia de durar até aos anos 90. O apoio dado por Moçambique aos guerrilheiros e refugiados Zimbabwianos, agravou ainda mais as relações entre os dois países. As incursões militares perpetradas pelo regime de Ian Smith ao interior de Moçambique, foram agravados pelo apoio dado à criação e desenvolvimento de um movimento de oposição à FRELIMO, a RENAMO. Com a independência do Zimbabwe, em 1980, a base de apoio deste movimento foi transferida para a África do Sul, que por sua vez também realizou incursões militares ao interior de Moçambique e criou um clima permanente de instabilidade. A África do Sul tinha como objectivos retaliar a FRELIMO pelo apoio dado ao ANC (Congresso Nacional Africano), através da destruição das infraestruturas e da sua economia, por forma a obrigar a FRELIMO a sentar-se a uma mesa de negociações. Com o apoio militar sul-africano, a RENAMO aumentou o seu exército, de menos de 1000 efectivos em 1980 para 8000 efectivos em 1982 (Human Rights Watch, 1994: 8). Com zonas de combate em Manica e Sofala, rapidamente as suas operações militares se expandiram por todo o país. Em 1982, a guerra tinha-se alastrado às províncias do sul,
Gaza e Inhambane, e à Zambézia.
Gaza e Inhambane, e à Zambézia.
Como diz Hanlon (1997), desde os anos 60, quando a FRELIMO iniciou a guerra, pairava sobre ela a nuvem da guerra fria, com os Estados Unidos e a NATO ao lado de Portugal, o que levou este movimento a aliar-se à União Soviética e à China. Nos anos 70, o abrandamento da guerra fria trouxe novas esperanças à África Austral, e o debate sobre a Nova Ordem Internacional havia mesmo criado ao ‘terceiro mundo’ a esperança de acesso ao ‘financiamento internacional para os seus programas de modernização’ . Em Moçambique, o novo governo tentava introduzir uma política de desenvolvimento socialista. Depois da independência do Zimbabwe em 1980, os regimes de maioria formaram a SADCC (hoje SADC), Conferência para a Coordenação do Desenvolvimento da África Austral. Logo a seguir, com Reagan nos Estados Unidos e Tacher na Grã-Bretanha, há um ‘volt-face’, e a guerra fria explode de novo, com consequências no Afeganistão, Camboja, El Salvador, Angola e Moçambique (NEWITT, 1997). O governo de Moçambique foi rotulado como comunista, e entrou na ‘lista negra’ dos Estados Unidos da América, que em consequência disso apoiou indirectamente e encorajou a guerra de desestabilização contra Moçambique, através da África do Sul. A guerra que durou até aos anos 90 teve prejuízos inestimáveis (HANLON, 1997: 14.):
- A guerra atingiu principalmente as zonas rurais, onde foram destruídas escolas e hospitais, raptados alunos e professores, destruídas infraestruturas económicas, como pontes, estradas, cantinas e tractores;
- Das 5886 escolas do ensino primário do primeiro grau, 3498 (60%) foram encerradas ou destruídas; na Zambézia, só 12% continuaram a funcionar até ao fim da guerra;
- Do número de postos de saúde de nível primário, que entre 1975 e 1985, havia passado de 326 para 1195, cerca de 500 foram encerrados ou destruídos pela RENAMO;
- Mais de 3000 cantinas rurais foram encerradas ou destruídas;
- Estima-se que cerca de 1 milhão de pessoas tenha morrido, 1,7 milhões se tenha refugiado nos países vizinhos e pelo menos 3 milhões estivessem deslocadas das suas zonas de origem;
A componente externa de apoio a esta guerra, se bem que não possa ser ignorada, reflecte apenas uma parte das razões que levaram à sua manutenção. É também necessário tomar em linha de conta os problemas internos do país e as políticas e estratégias utilizadas pela FRELIMO como resposta à crise existente, que marcaram um distanciamento entre o governo e a população, criando um descontentamento que ajudou a alimentar o conflito armado.
A reestruturação radical da economia, através do modelo de economia centralmente planificada pelo Estado, estava longe de solucionar os problemas advenientes da tentativa de suprir a crise económica resultante da destruição da economia colonial e mostrou ser a menos adequada para a solução dos problemas económicos e sociais existentes no país. As medidas económicas preconizadas pelo Estado, tinham marginalizado os camponeses familiares a favor do desenvolvimento de uma agricultura mecanizada, destruindo assim o sistema que havia garantido a maior parte da produção para consumo interno e uma parte da produção para exportação deste país. Era pois necessário repensar a estratégia e avaliar o papel a desempenhar pelo Estado na gestão da economia (ADAM, 1997: 6-7).
A guerra, a seca e as calamidades naturais alargaram o âmbito das pressões internas para alteração das políticas da FRELIMO. A situação económica e social sofriam uma degradação crescentes. Em algumas províncias era já visível o espectro da fome e era necessário mobilizar recursos para o pagamento da dívida externa. As medidas de emergência para tentar suster a economia não poderiam ser permanentes. Era difícil manter os níveis de emprego na indústria com baixos níveis de rendimento ou subsidiar a improdutividade das machambas estatais e manter também os subsídios para a alimentação das populações urbanas ou para as áreas sociais como a saúde, a habitação e a educação, que acabaram por conduzir a uma deterioração destes serviços. Entrara-se já numa fase de ruptura do mercado, com uma hegemonia do mercado negro e uma consequente baixa cambial. Nos princípios da década de 80, a situação económica do país transportava já sinais alarmantes:
- Crescimento do nível de importações sem que houvesse disponibilidade de divisas;
- Os subsídios estatais à educação, saúde e despesas correntes do sector estatal incluindo as empresas estatais levaram a um défice no orçamento do Estado. Isto resultou no endividamento público interno e externo;
- Depois de 1984, Moçambique entra na fase da crise da dívida e perde a credibilidade ‘creditícia’ junto dos mercados internacionais (PNUD, 1998: 51).
O decréscimo dos níveis de produção não podia de modo algum compatibilizar-se com o nível de crescimento das populações, pelo que foi necessário fazer uma contração dos consumos, com impactos na redução da produção do bem-estar das populações e a consequente deterioração dos seus níveis de vida. A estratégia socialista apresentava sinais evidentes de desmoronamento. Em contrapartida, as conversações para adesão ao Banco Mundial (BM) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) avançavam progressivamente no cenário socioeconómico local, o que veio a resultar no lançamento das reformas económicas. Em meados da década de 80, são visíveis os esforços da FRELIMO no campo político e económico, para alterar as consequências negativas resultantes da estratégia de desenvolvimento utilizada anteriormente.
Conclusão
As políticas de reajustamento estrutural tiveram boas eficácias, porém em contrapartida, evidenciam-se alguns aspectos negativos. Contudo, política e financeiramente, o nosso país tem demostrado avanços significativos com ajuda da sua ingressão às diversas associações mundiais que visam um desenvolvimento igualitário.
Podemos constatar também que o programa lançado por moçambique em 1987, de ajuste estrutural com o apoio do FMI e do Banco Mundial, denominado Programa de Reabilitação Econômica-PRE. O PRE tinha como objetivo debater a grave crise econômica e social que o país atravessava, resultado do fracasso das estratégias de desenvolvimento socialistas adotados após a independência em 1975 e da guerra civil que assolava o país até então. A existência de um sistema de partido único e o influxo de recursos externos para dar conta da fraca capacidade de Estado existente e dos graves problemas sociais provocados pela guerra (entre os quais a fome), não foram suficientes para garantir um sucesso expressivo do programa de ajuste. Uma das causas do relativo insucesso do PRE são os problemas de coordenação, oriundos da incapacidade do governo de conciliar as estratégias dos atores internos e externos, durante o processo de implementação das reformas econômicas. Esta dissertação é uma análise desses problemas de coordenação e de como os mesmos se manifestam no PRE.
Bibliografia
• ADAM, Yussuf (1997) ‘Evolução das estratégias para o desenvolvimento no Moçambique pós-colonial’. In: SOGGE, D. (1997), ed. Moçambique: perspectivas sobre a ajuda e o sector civil. Amsterdam: Frans Beijaard, pp. 1-14.
• COELHO, João Paulo (1997) ‘A investigação recente da luta armada de libertação nacional: contexto, práticas e perspectivas’ ARQUIVO (17), pp.159-179
• CRUZ E SILVA, T., SILVA, T., CARRILHO, L., et al (1998) Carências Sociais na Periferia da Cidade de Maputo: os casos de Chamanculo, Albasini e Zimpeto. Maputo: Relatório de pesquisa.
• HANLON, Joseph (1984) Mozambique, the revolution under fire. London: Zed Books, 1984.
• HANLON, Joseph (1997) Paz sem benefícios: como o FMI bloqueia a reconstrução de Moçambique. Maputo: Centro de Estudos Africanos.
• HEDGES, David (1993) org. História de Moçambique: Moçambique no auge do colonialismo, 1930-1961 (vol.3). Maputo: Departamento de História, Universidade Eduardo Mondlane.
• HOILE, David (1989) Mozambique, a nation in crises. London: The Claridge Press.
• JOSE, Alexandrino (1998) ’The Social Sciences in Mozambique- some theoretical and institutional questions’ in: CRUZ E SILVA, T. & SITAS, A. (1998). ed.
• NEWIT, Malyn (1997) História de Moçambique. Lisboa: Publicações Europa-América.
• PNUD (1998) Moçambique: paz, crescimento económico: oportunidades para o desenvolvimento humano. Maputo: Relatório Nacional do Desenvolvimento Humano.